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Estreito de Gibraltar

As colossais colunas de Hércules do Estreito de Gibraltar

Com colunas suspensas de calcário ao nível do mar, cujas cavernas serviram de abrigo climático para a espécie Neandertal, o estratégico rochedo no Estreito de Gibraltar disponibiliza história, arqueologia e geoturismo aos curiosos exploradores.

A região é um dos points enigmáticos da litosfera terrestre que, além de englobar paisagens de beleza ímpar, apresenta interessante história natural e marcantes acontecimentos.

Integra um dos acidentes geográficos mais incomuns do planeta – o Arco de Gibraltar, a mais fechada cordilheira circundando um mar – fonte dos abalos sísmicos regionais. Ostenta grandes faixas rochosas que afloraram ao longo do tempo em função de forças tectônicas.

É também cenário de criativas narrativas mitológicas, e palco de eventos históricos importantes – portal da duradoura conquista mulçumana da Ibéria; local do mais antigo contencioso territorial (entre Reino Unido e Espanha), e foco de polêmicas após a saída do “rochedo” da União Europeia.

A região é militarmente de grande importância estratégica por ser o elo naval do Atlântico para o Mediterrâneo, possibilitando curta travessia entre África e Europa, que estão separados por apenas 21km.

As colossais colunas de Hércules do Estreito de Gibraltar
Imagem aérea do Rochedo. Adaptado de Google Earth Studio.

Estreito de Gibraltar e as colunas de Hércules

Os contos mitológicos gregos relatam que esses pilares foram moldados durante a realização dos doze trabalhos de Hércules. Durante o décimo, ele necessitava transpor com brevidade um estreito marítimo.

Então o filho de Zéus achou conveniente abrir passagem na antiga fronteira do mundo ocidental utilizando seus ombros, escancarando um portal entre mar e oceano – conectando o Mediterrâneo ao Atlântico.

Em homenagem ao grande herói grego, antigos geógrafos nomearam os dois grandes promontórios, em lados opostos do estreito de Gibraltar, como as colunas de Hércules. Uma localiza-se na África – o monte Hacho ou Musa em Celta (território espanhol), e a outra na Europa – o rochedo de Gibraltar, pertencente ao Reino Unido.

Uma península dentro de outra península

Gibraltar é uma pequena península de 6 km quadrados localizada no extremo sudoeste da Península Ibérica e a 21 km da costa do Norte de África, separados pelo Estreito. O acesso terrestre ao enclave britânico ocorre através de uma delgada fronteira a norte, separada do continente por um istmo. A partir do Reino de Algeciras na Espanha, disfruta-se de bela vista do rochedo através de uma baía homônima.

O nome Gibraltar origina-se no topônimo árabe jabal al-Tariq (ﺨﺒﻝﻄﺭﻕ) cujo significado é “montanha de Tárique”, que foi o comandante da conquista Ibérica pelos mulçumanos. Ao longo dos séculos o território foi dominado por fenícios, cartagineses, romanos, mulçumanos e hispânicos.

Gibraltar faz parte do Império Britânico desde 1713, a partir do Tratado de Utrech. É um dos 14 Territórios Ultramarinos Britânicos (BOTs) sob jurisdição e soberania do Reino Unido. Internamente é autônomo, todavia, a defesa, finanças e as relações externas são responsabilidade do Reino Unido. Na atualidade a Espanha ainda reivindica a posse territorial, porém não contam com a concordância da maioria dos habitantes locais.

As colossais colunas de Hércules do Estreito de Gibraltar
Afloramento de calcários carbonáticos de Gibraltar. Visada Noroeste. (Imagem: Ricardo Borges)

Origem geológica

O Rochedo de Gibraltar é constituído por rochas calcárias, um tipo de rocha sedimentar carbonática formada por conchas fossilizadas de pequenas criaturas marinhas que foram compactadas por várias camadas sobrepostas no fundo do mar há 200 milhões de anos.

A colisão da placa tectônica africana com a da Europa, entre 60 e 20 milhões de anos atrás, ocasionou a elevação dessas camadas de rochas, originando a peculiar formação geológica desse espetacular monolíto promontório de 427 metros de altitude.

A presença de paisagens cársticas e cavernas é notável e o desgaste erosivo das rochas ocorre lenta e continuamente. A dissolução química dos calcários pela ação intempérica da água promoveu a formação de complexos de cavernas, a exemplo de Gorham e Vanguard, que são muito importantes para estudos de paleontologia e arqueologia.

Túneis perfurados em rochas carbonáticas na cidade de Gibraltar. (Imagem: Ricardo Borges)

Arco de Gibraltar em rotação

As faixas rochosas de calcário que afloraram da superfície da Terra compõem o Arco de Gibraltar, região geológica que corresponde à cordilheira arqueada que rodeia o mar de Alborão (situado entre a Península Ibérica e a África). É formado pela cordilheira Bética (sul de Espanha), o estreito de Gibraltar e o Rife (ou Rif; norte de Marrocos).

Arco e Estreito de Gibraltar – As setas apontam: branca – Rochedo de Gilbratar; vermelha – Sierra Nevada; Laranja – Rife de Marrocos. A estrela branca representa o mar de Alborão. (Adaptado de NASA).

A colisão entre a Península Ibérica e o Norte de África durante o Baixo Mioceno (23 a 5 ma) causou um deslocamento para o oeste das zonas internas da Faixa Bética e a formação do incomum e fechado sistema Arco de Gibraltar. Ele está tectonicamente localizado na fronteira convergente entre as placas euro-asiática e africana.

Essa dinâmica tectônica e processos de subducção das placas promovem, ao longo de milhões de anos, a deformação da cordilheira bética e do Rife, e eventos sísmicos, bem como a contínua rotação dos blocos do arco no sentido horário (6° por milhão de anos) em função da colisão continental da África com a Ibéria, evento que gerou o atual estreito de Gibraltar (CRESPO-BLANC et al., 2016).

A zona de subducção do arco de Gibraltar encontra-se atualmente em estágio estacionário. Contudo, cientistas presumem que ela poderá num prazo de 20 milhões de anos, retornar suas atividades avançando sua zona de convergência rumo à borda da placa atlântica oriental, com probabilidade de transformá-la numa margem tectonicamente ativa.

Conforme Duarte (2012), caso este processo se desenvolva, em alguns milhões de anos poderá iniciar-se, por subducção induzida, a segunda etapa do ciclo de Wilson concernente ao Oceano Atlântico, cuja borda deixará de ser uma margem passiva, culminando, em última instância, no fechamento do Atlântico.

Na hipótese, a nova zona de subducção, que desencadearia futuras atividades, poderia surgir na margem sudoeste ibérica, no Golfo de Cádiz, uma bacia de ante-país do arco orogênico de Gibraltar, que encontra-se relativamente próxima.

Arco orogênico de Gibraltar. A rotação dos blocos ocorre no sentido horário e rumo ao oeste, com possível tectônica reflexa no golfo de Cádiz. Reprodução: by Tyk – www.maps-for-free.com

Elo Neandertal perdido

A espécie Neandertal reinou na Terra por aproximadamente 300 mil anos, e registros fósseis para períodos abaixo de 35 mil anos não foram encontrados. Eles habitaram os complexos de cavernas calcárias de Gorham nas margens do mar Mediterrâneo, a leste do rochedo de Gibraltar, durante um longo período. Portanto, pesquisas nessa região podem auxiliar no esclarecimento dos motivos da sua extinção.

Evidências e registros nas cavernas enfileiradas à beira-mar em Gibraltar demonstram uma ocupação muito tardia desta região por humanos neandertais, que servia como um refúgio climático e de recursos alimentícios para estes últimos habitantes.

Quando os neandertais povoaram Gibraltar, a superfície terrestre apresentava um dos mais rigorosos períodos glaciais, e após regressões marinhas em função do congelamento aquático, o nível do mar estava bem abaixo, em comparação ao atual, tornando habitável as grutas da região.

O clima frio e seco, a dificuldade de caça e escassez de alimentos, e/ou o crescente contato com a espécie homo sapiens podem ter sido fatores determinantes da gradual extinção dos neandertais.

Vista do farol da Ponta Europa, e do mar do estreito, portal naval do Atlântico para o Mediterrâneo. (Imagem: Ricardo Borges)

Referências

CRESPO-BLANC, Ana; COMAS, Menchu; e BALANYÁ, Juan Carlos. “Clues for a Tortonian reconstruction of the Gibraltar Arc: Structural pattern, deformation diachronism and block rotations” Tectonophysics683 (2016) 308–324 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.tecto.2016.05.045)

DUARTE, João C. Tectonics of the Gulf of Cadiz : the role of the Gibraltar Arc in the reactivation of the SW Iberia Margin. Tese de doutoramento, Geologia (Geodinâmica Interna), Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2012.

Fernando Muñiz, Luis M. Cáceres, Joaquín Rodríguez-Vidal, Carlos Neto de Carvalho, João Belo, Clive Finlayson, Geraldine Finlayson, Stewart Finlayson, Tatiana Izquierdo, Manuel Abad, Francisco J. Jiménez-Espejo, Saiko Sugisaki, Paula Gómez, Francisco Ruiz. Following the last Neanderthals: Mammal tracks in Late Pleistocene coastal dunes of Gibraltar (S Iberian Peninsula). Quaternary Science Reviews, Volume 217, 2019, Pages 297-309, ISSN 0277-3791, in https://doi.org/10.1016/j.quascirev.2019.01.013. (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277379118308722)

José S. Carrión, Michael J. Walker, Background to Neanderthal presence in Western Mediterranean Europe, Quaternary Science Reviews, Volume 217, 2019, Pages 7-44, ISSN 0277-3791, https://doi.org/10.1016/j.quascirev.2018.10.011 (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277379118303251)

NICOLLE, David.  The Graet Islamic Conquests AD 632-750. Essencial history, Osprey Publishing. Londres, 2009.

SOUZA, Ayrton. A questão de Gibraltar na política externa espanhola: uma análise dos pressupostos jurídicos. Unesp – Marília, 2019.

https://www.gibmuseum.gi/our-history/brief-history-of-gibraltar

https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-noticias/efe/2019/02/13/segunda-pegada-de-neandertal-no-mundo-e-descoberta-em-gibraltar

Ricardo Borges

Economista, geólogo e músico autodidata. Trabalha com publicidade e consultoria em marketing digital. Criador de conteúdo e pesquisador nas áreas de geociências e astronomia.

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