Os produtos agrícolas transgênicos e os herbicidas – agrotóxicos desenvolvidos para o combate de pragas e ervas danininhas, cuja base organoquímica é o glifosato, se auto complementam.
Este é o segundo tópico relacionado aos agrotóxicos e sua utilização no Brasil. No artigo Os POPs agrotóxicos e a destilação global foi demonstrado como a utilização dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) em regiões tropicais e temperadas, contribuem para a contaminação dos solos e recursos hídricos em regiões frias de altas latitudes.
Herbicidas a base do glifosato
O glifosato é um poderoso herbicida desenvolvido pela Monsanto em 1974, que objetiva matar ervas daninhas que competem com as culturas, principalmente do tipo folhosas perenes e gramíneas.
É um composto organofosforado, cujo primeiro nome comercial é Roundup, e no Brasil é conhecido como “Mata-Mato”. O glifosato (contração de glicina + fosfato) é um aminoácido sintético. Um herbicida sistêmico de amplo espectro, e que atua gerando dissecação nas ervas daninhas indesejadas.
O herbicida a base de glifosato é aplicado nas folhas de plantas daninhas que prejudicam a produção agrícola e nascem espontaneamente no meio das lavouras. Além de absorver e adsorver água, ele bloqueia a capacidade da planta de assimilar alguns nutrientes.
Após a expiração da patente do glifosato em 2000, que pertencia à Monsanto, esta substância tornou-se o agrotóxico mais vendido no mundo, com produção e comercialização a partir de vários fabricantes.
Altamente difundido também no Brasil, este defensivo agrícola popularizou-se bastante. Na atualidade, é utilizado em propriedade agrícolas de vários portes. O princípio ativo do glifosato é aplicado em jardinagem e também na manutenção de parques públicos.
Nos primeiros momentos de utilização de glifosato nas lavouras existia a incoerência da substância além de combater as ervas daninhas e demais gramíneas, gerar prejuízos aos produtos cultivados. O surgimento das culturas transgênicas, contudo, proporcionou a solução deste problema.
Produtos transgênicos
Um dos principais motivos de experiências para modificações genéticas das culturas foram para torná-las resistentes nestes transgênicos, a herbicidas e inseticidas quando da sua utilização na erradicação de pragas. A introdução de grãos geneticamente alterados, possibilitou a utilização do gilfosato durante o plantio, sem danos às culturas principais.
A própria Monsanto, criadora do herbicida glifosato Roundup, desenvolveu linhas de sementes transgênicas, denominadas de Roundup Ready (RR) tolerantes ao glifosato. Inicialmente realizou experiências com a soja. Posteriormente elaborou variadas culturas com genes manipulados.
A Monsanto passou a obter lucro tanto com a comercialização das sementes adaptadas, quanto com a difusão da venda do herbicida. Os grãos transgênicos, a exemplo da soja, do milho e do algodão, resistentes ao glifosato, proporcionaram grande incremento comercial deste defensivo.
Praticamente toda a produção atual dos principais produtos do agronegócio brasileiros é de origem transgênica. As empresas do setor alavancaram os lucros nas últimas décadas, a partir da redução de gastos e aumento da produtividade, proporcionados pela inserção da tecnologia.
Experimentos com genes da Agrobacterium
As modificações genéticas das sementes foram produzidas com fundamento em técnicas biotecnológicas. Utilizou-se genes de alguns microorganismos, a exemplo da Agrobacterium, que demonstraram resistência ao glifosato.
Essa bactéria é usada em experimentos de engenharia genética por possuir grande capacidade de transferência de genes para plantas e fungos para incrementá-las. Após determinado gene deste microorganismo ser isolado, ocorreu a clonagem e a sua introdução no DNA da soja.
Interdependência entre transgênicos e herbicidas
O desenvolvimento das sementes com genética modificada, resistentes e adaptadas, e a expansão do seu uso em lavouras, viabilizou a aplicação em larga escala dos defensivos a base de glifosato para o combate às ervas daninhas.
Os produtos agrícolas transgênicos são dependentes dos herbicidas e dos demais agrotóxicos. Deve-se entender esta afirmação em função da crescente necessidade de combate às pragas que reduzem a produtividade da terra, e atrapalham o desenvolvimento das safras.
Sem a aplicação de herbicidas, inseticidas, fungicidas e pesticidas a competição exercida pelas plantas invasores e insetos, em geral inviabilizam a produtividade do cultivo das commodities do agronegócio.
As inovações oriundas da biotecnologia não impediram o florescimento de ervas daninhas no campo. Entre as promessas decorrentes do uso intenso das culturas geneticamente manipuladas constava a redução do uso de herbicidas nas lavouras. Todavia, na prática o uso de defensivos agrícolas apresenta progressivo acréscimo.
Em função da propriedade de dissecação do glifosato, o herbicida é também utilizado para uniformizar a colheita dos grãos. Caso o produtor deseje antecipar a colheita, e a mesma ainda encontrar-se verde, ele aplica o produto, que disseca e acelera o processo e a uniformização da safra.
Círculo vicioso do glifosato e transgênicos
Desde o final dos anos 1970 até os dias atuais, a frequência e o volume de aplicação de herbicidas à base de glifosato associado aos transgênicos teve incremento superior a mais de 100 vezes.
O uso excessivo deste produto organofosfatado está fomentando o desenvolvimento de ervas daninhas mais resistentes ao glifosato. Esta exposição exacerbada pode contribuir com mutações genéticas nestas espécies herbáceas, cujos resultados ainda são desconhecidos.
Um círculo vicioso é então gerado com a utilização crescente do glifosato e demais agrotóxicos. Cria-se uma espécie de dependência química do solo e lavouras. O acréscimo do uso de agrotóxicos possibilita o surgimento de pragas de maior resistência, e para combatê-las, incrementa-se o uso das substâncias com doses mais potentes de glifosato.
No atual contexto da agricultura brasileira, descortina-se um preocupante cenário, no qual tornou-se improvável a produção agrícola em larga escala sem a utilização dos agrotóxicos. A cultura da soja e milho no Brasil é estritamente dependente do glifosato, como também dos demais defensivos agrícolas.
Impactos na saúde e no meio ambiente
A maioria das agências reguladoras mundiais de saúde considera o glifosato seguro para a saúde humana, desde que os resíduos sejam mínimos nos alimentos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reputa que a substância não apresenta características mutagênicas e carcinogênicas.
De forma análoga ao que ocorre em relação aos outros agrotóxicos, entretanto, existem críticas e estudos que consideram que o glifosato é carcinogênico, como também pode proporcionar outras doenças. Importante considerar que muitas agências nacionais são pressionadas por megaempresários rurais para liberação dos produtos.
De acordo com uma avaliação realizada em 2015 pela Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), o glifosato é um produto potencialmente gerador de câncer.
A Monsanto, atualmente pertencente ao grupo alemão Bayer, envolveu-se recentemente em condenações bilionárias, protagonizadas pela justiça estadunidense. Os processos estão relacionados ao uso do herbicida Roundup, cujo princípio ativo é o glifosato. Alega-se que a substância promove o aparecimento de determinado tipo de câncer.
Outra questão, segundo especialistas, é que os níveis aceitáveis de agrotóxicos no Brasil são geralmente bem mais altos, comparativamente aos admitidos em outros países. Alguns destas nações não utilizam em seus territórios algumas substâncias, que são exclusivas para exportação.
Existe uma tendência mundial de descontinuação do uso do glifosato. Na França, por exemplo, é possível que ocorra proibição em suas lavouras a partir de 2022. A adoção de uma agricultura voltada a um modelo ecológico e com valorização da agricultura familiar é uma solução a médio e longo prazo.
Impactos ambientais
Em relação ao meio ambiente, o uso do glifosato de forma isolada não apresenta graus elevados de contaminação dos aquíferos. Ele une-se fortemente ao solo, e degrada-se rapidamente pela ação de micróbios.
Portanto, conforme pesquisas, a sua penetração é mais superficial. A depender da profundidade do lençol freático, baseado nas pesquisas, o contato é mínimo. Normalmente o glifosato é menos persistente na água do que no solo.
A toxicidade aumenta quando este herbicida é utilizado em conjunto com outros produtos e aditivos que compõem as formulações comerciais. As análises toxicológicas apontam que a combinação destes ingredientes com o glifosato podem incrementar a toxicidade, quando comparado ao seu uso isolado.
A utilização intensiva do glifosato pode provocar surgimento de resistência, acarretando um aumento constante da necessidade de doses mais potentes. O uso exacerbado proporciona a desvitalização e perda de fertilidade do solo.
Imagem da capa: reprodução – El País.
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