Cercadas por tabuleiros, dunas e planícies costeiras, as praias do município de Tibau do Sul – RN estão entre os destinos turísticos mais prestigiados do Brasil, com presença de diversificados cenários de rara beleza. Nas últimas décadas, entretanto, ocorreu incremento dos processos de erosão costeira nas falésias da praia de Pipa e região.
Esses eventos proporcionam o recuo das falésias – escarpas abruptas que limitam os tabuleiros e a planície, gerando grandes riscos geológicos e acidentes em áreas adensadas e de marcante exploração turística. Nessas zonas de forte atuação de processos erosivos, existem intensos conflitos ambientais.
Em recente observações in situ nas esplêndidas falésias das praias locais, e com lastro em pesquisas anteriores, foi possível inferir que os principais eventos erosivos são desencadeados por origem tanto marinha, quanto continental. A ocupação antrópica desordenada proporciona significativo acréscimo dos riscos de deslizamentos e consequentes acidentes.
Localização e acesso – praias de Tibau do Sul
Distante cerca de 77 km a sul da capital potiguar, Tibau do Sul é um município situado na faixa litorânea meridional do Estado do Rio Grande do Norte, contendo uma área municipal de 102.680 km². Em 2020 sua população foi estimada em 14.440 habitantes.
O município limita-se ao norte pela margem sul da bela lagoa de Guaraíras (Figura 1). A leste com o Oceano Atlãntico e ao sul pelo canal do Rio Catú.
O principal acesso, a partir da capital do estado – Natal, é viável pela BR-101 sul até a sede municipal de Goianinha, num trecho de 60 km. O trajeto para Tibau do Sul e Pipa ocorre a partir da RN-003, distando em torno de 23 km até a Vila de Pipa.
A zona costeira de Tibau do Sul tem uma extensão de uns 16 km, com predomínio de falésias sedimentares oriundas do período Neogeno (época do Mioceno – entre 23 e 5,3 milhões de anos), pertencentes ao grupo rochoso Barreiras.
O clima predominante é o tropical úmido, e as principais praias municipais, no sentido sul do litoral, são a praia de Tibau do Sul, Cacimbinhas, Madeiro, Baía dos Golfinhos, praias do Porto e do Centro, Pipa, praia do Amor e das Minas.
As atividades de uso e ocupação do solo deste balneário, decorrentes das atividades turísticas, concentram-se principalmente na área da praia do Centro, do Porto e Pipa, onde se localiza a maioria das edificações, como lanchonetes, restaurantes e pousadas, algumas assentadas em zonas de instabilidade.
Caminhamento
Para a atual pesquisa de campo, o caminhamento percorrido na faixa de praia, ao longo da planície costeira e respectivos tabuleiros, foi subdividido em três segmentos (figuras 2A, B e C), no sentido sul em relação à sede municipal. Esse roteiro é equivalente ao trecho central (ponta do Madeiro à ponta do Moleque) do zoneamento geomorfológico confeccionado por Amaral (2001).
- Segmento 1: Ponta do Madeiro, passando pelas belas praia do Madeiro e Baía dos Golfinhos, até a ponta do Canto;
- Segmento 2: Ponta do Canto até a ponta da Cancela – praias do Centro, do Porto e de Pipa;
- Segmento 3: Ponta da Cancela até a praia das Minas, com vistorias na base das falésias do Chapadão.
O total percorrido pela areia da praia foi cerca de 11 km (ida e volta), com a inclusão de observações junto às falésias do Chapadão, até a ponta das Minas, no segmento três. A visitação também comtemplou o topo das falésias, a exemplo do Chapadão e Vila de Pipa, e os tabuleiros das Minas e Cacimbinhas.
A realização das caminhadas ao longo das praias se iniciou em horários de meia maré vazante, em geral 3 horas antes da maré mínima. Deve-se evitar longos segmentos nos dias de maré de sizígia, pois com a maré alta torna-se impraticável a travessia em alguns pontos.
Principais componentes geológicos
Os componentes geológicos locais foram derivados a partir de gênese sedimentar. Os sedimentos do Grupo Barreiras, de forma análoga à todo litoral do Nordeste brasileiro, compõem o cenário regional. Prevalece a intercalação entre arenitos argilosos, argilitos, conglomerados e arenitos ferruginosos (SILVA et al, 2003).
Ao longo de muitos trechos da linha de costa, apresentando uma geometria linear de arrecifes, existe um grupo rochoso de cor escura, denominado por Pierre et al (2007) como Arenitos de Praia ou Beach-Rocks. Estes arenitos foram cimentados por carbonatos. Afloram em muitos pontos dos três segmentos, e representam importantes estruturas de contenção da retração da costa (Figura 3).
As praias arenosas predominam na planície costeira, e as dunas móveis e fixas são compostas por areias finas quartzosas, oriundas das ações erosivas dos ventos.
Em toda zona costeira, ocorrem falésias com altura em torno de 20 a 40 metros (SCUDELARI et al, 2005). Essas abruptas escarpas sedimentares – ativas ou inativas, são, na sua maioria, compostas por arenitos ferruginosos. Na base de alguns trechos, ocorrem talus, cuja acumulação deriva de depósitos eluviais oriundos da ação da gravidade (Figura 4).
A existência de arenitos ferruginosos cimentados por óxido de ferro, em razão da sua maior resistência à erosão exercida por processos costeiros, promove a geração de praias curvas, formando baías em forma de zeta (ζ). (AMARAL, 2001).
Processos erosivos e movimentos de massa
Os principais tipos de erosão que atuam nas encostas ao longo das encantadoras praias da região são a pluvial, a costeira e a eólica. Os movimentos de transporte de massa (erosão pluvial e costeira) e os movimentos gravitacionais de massa ocasionam o recuo das falésias.
Erosão costeira:
O contínuo trabalho de arrebentação das ondas no sopé dos taludes consta entre os principais fatores que proporcionam o recuo das falésias da área visitada em Tibau do Sul. Esses eventos nas altas marés propiciam a escavação da base das encostas, gerando instabilidade estrutural, determinantes dos movimentos de massa.
Nos trechos de praia com falésias ativas, a remoção das areias pelo ataque das ondas contribui com a diminuição do volume de sedimentos inconsolidados, elevando o poder erosivo marinho. Fator que impulsiona a retração das vertentes, e contribui com quedas e tombamentos.
Erosão pluvial:
A erosão pluvial, que atua nos sistemas de fraturas e juntas tectônicas, no topo das falésia, formam ravinas paralelas e voçorocas. Os frequentes escoamentos superficiais das águas das chuvas em topos sem vegetação beneficiam a erosão laminar. Esta lavagem pluvial do solo carreia partículas da superfície dos tabuleiros em direção à costa (Figura 5).
Os deslocamentos e queda de blocos rochosos são incrementados em função da percolação da água entre as fraturas, nos períodos de maior pluviosidade.
Em função do avanço da linha de costa e das fortes ondas, a erosão costeira nas falésias da praia de Pipa e região ocasionam maiores impactos e degradação, comparativamente à exercida pela erosão pluvial e pelos movimentos gravitacionais de massa.
A constante atuação das ondas nos taludes sedimentares propiciam a formação de incisões na base, a partir da retirada de detritos. Nas praias do centro (segmento 2), as incisões aparecem em vários pontos (Figura 6).
A erosão eólica apresenta maior atuação nos Chapadões, que são setores superficiais dos Tabuleiros Costeiros, próximos às bordas ou topos de Falésias que se encontram exumadas. A constante ação geológica dos ventos, em consonância a outros fatores, oportunizam a perda da cobertura natural.
Os fortes ventos e a existência de sistemas de fraturas são os processos dominantes nessas áreas de grandiosos Chapadões, encontrados em Pipa e na praia das Minas (Mosaico 1). As fraturas viabilizam a implantação de ravinas e voçorocas em tempos de maior pluviosidade.
Na parte mais interna de alguns trechos formaram-se dunas, com cobertura de sedimentos arenosos gerados por erosão eólica.
Riscos geoambientais
Boa parte das encostas onde estão implantadas as infraestruturas antrópicas, no vilarejo de Pipa, são íngremes e apresentam processo avançado de erosão. Após os trágicos acidentes que ocorreram no ano de 2020, o Poder Público vem realizando estudos, levantamentos e averiguações de irregularidades.
O segmento 1 da visitação, abriga, nos tabuleiros e planaltos rebaixados, uma área de preservação – o Santuário Ecológico de Pipa, com densa vegetal nativa que proporciona natural proteção em relação aos processos costeiros continentais. Nessa área não existem zonas habitadas que gerem significativos impactos.
Todavia, a preservação desta reserva florestal à beira mar, e proteção em relação à futuras especulações imobiliárias, é extremamente vital para a estabilidade geológica das falésias e demais ecossistemas.
No segmento 2, que está densamente povoado, as construções humanas incrementam os processos erosivos. Trata-se de uma zona com ruas e alguns imóveis edificados em áreas de risco geológico, próximos à borda ou construídos na encosta da falésia.
Salienta-se que a supressão da vegetação nativa, a incipiente drenagem das águas pluviais e alterações topográficas da encosta para construção de estradas e edificações são fatores que concorrem para a desagregação de blocos rochosos, com consequentes movimentos de massa.
No segmento 3, a existência de restingas e bancos de areia em alguns setores, conferem maior proteção à base das falésias. Entretanto, os processos atuantes no topo dos Chapadões podem proporcionar deslizamentos e quedas (Mosaico 2).
Nesse trecho a atuação eólica é marcante, e a pressão antrópica sobre os tabuleiros é menor, em comparação ao 2º segmento. A maioria dos empreendimentos estão erguidos em terrenos mais seguros e distantes das bordas.
Conclusão
As praias de Tibau do Sul são importantes pólos turísticos regionais. A descoberta dos points para a prática do surf na década de 1970, alavancou o desenvolvimento do turismo. A progressiva ocupação, contudo, não ocorreu de forma harmônica consoante à estabilidade dos monumentos geoambientais.
Destarte a realização de muitas pesquisas na região e alertas de diversos especialistas, a proeminente expansão turística das últimas décadas, e o avanço da exploração imobiliária, tem proporcionado amplo risco sócio-ambiental. Principalmente em função da presença de algumas edificações inadequadas nas beiradas das falésias, em zonas de forte dinâmica natural.
Além das externalidades ambientais e sociais negativas já explicitadas, quando os movimentos de massa suscitam acidentes com vítimas fatais, podem gerar danos à imagem da indústria do turismo local.
Urge a necessidade de se repensar setores do ordenamento urbano e a regulamentação turística, com soluções que minimizem os impactos decorrentes dos fluxos gravitacionais de sedimentos, quedas de blocos e deslizamentos. É imprescindível coibir a implantação de novos empreendimentos que estejam em desajustes ecossistêmicos.
A conservação dos principais componentes naturais que amortecem os impactos da erosão costeira nas falésias de Pipa, como os arenitos na zona de praia, a vegetação densa nas encostas e os depósitos de areia na base das vertentes, é primordial.
Para reforçar a contenção da erosão basal, todavia, algumas técnicas e produtos de engenharia geotécnica podem ser aplicadas, desde que não interfiram no balanço marinho de sedimentos e não promovam agressões paisagísticas. Entre elas, dispõem-se dos geossintéticos, geofôrmas e tubos de geotextil.
- Para maiores informações sobre as falésias sedimentares nordestinas e suas origens consultar o artigo: As incríveis falesias do Nordeste brasileiro
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Referências
AMARAL, Ricardo F. A Dinâmica Ambiental e o Problema da Erosão na Zona Costeira do Município de Tibau do Sul. IDEMA. Relatório interno. 45 p. 2001.
BOTELHO, Sasha K. e LIMA, Carlos C. Uchôa. Riscos geológicos associados aos movimentos de massa nas falésias da Costa do Descobrimento, Bahia. 16º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental. 2019.
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GUERRA, A.J.T e CUNHA S.B. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Processos Erosivos nas Encostas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A., p.149-208. 1994.
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PIERRI, Guilherme C. S. Análise de risco à erosão costeira na região de Tibau do Sul/RN através de mapeamento geoambiental e análise morfodinâmica. UFRN, Natal. 2008.
PIERRI, G. C. S., et. al. A beleza das Falésias e Dunas de Pipa. Anais do XXII Simpósio de Geologia do Nordeste. Natal-RN. 2007.
SCUDELARI, A.C.; BRAGA, K.G.; COSTA, F.A.A. & SANTOS Jr., O.F. Estudo dos processos erosivos instalados na praia de Pipa- RN. Brazilian Journal of Aquatic Science and Technology. 2005.
SILVA, William S.; SANTOS JÚNIOR, Olavo F.; AMARAL, Ricardo F.; SCUDELARI, Ada C. Erosão costeira nas falésias Tibau do Sul – litoral leste do Rio Grande do Norte. IX Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário. 2003.
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