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O enigmático e árido Raso da Catarina

O enigmático e árido Raso da Catarina!

No coração da caatinga baiana situa-se o enigmático Raso da Catarina – esconderijo predileto de Lampião e região de pregações de Antônio Conselheiro. Severas condições atmosféricas impõem peculiares adversidades à sobrevivência no meio físico local.

Entre galhos secos e abrolhosos, solos arenosos profundos e de baixa fertilidade, em consonância à escassez pluviométrica e a um relevo deprimido, que dificulta a ventilação, as oportunidades de subsistência são inclementes.

Essa localidade sertaneja, cujo nome é oriundo de uma fazendeira chamada Catarina, abarca curiosas lendas, e histórias épicas e sangrentas que transcorreram num palco geoambiental inóspito e quase intocável.

A natureza é pouco explorada em função das hostis condições climáticas e insuficiência hídrica, que viabilizaram um vazio demográfico. A rica biodiversidade, e muitas espécies nativas do bioma Caatinga, gozam de bom estado de preservação no Raso.

A fervura atmosférica e a aparente densidade do sítio, que exibe tabuleiros rasos e rebaixados com solos aprofundados do tipo quartzo arenosos, transmitem a sensação de estarmos num setor da superfície terrestre que apresenta alguma anomalia gravitacional.

Enigmático Raso da Catarina
Sertanejos nas trilhas do enigmático Raso da Catarina. (Imagem: Rui Rezende)

Localização e acesso

Com um formato estreito e alongado, o Raso da Catarina é uma área singular da sub-região Sertão Nordestino, com aproximadamente 30.800 km². Está estabelecido na parte centro-leste do bioma Caatinga (PAES e DIAS, 2008).

Localiza-se entre sete municípios – Canudos, Jeremoabo, Macururé, Paulo Afonso, Rodelas e Santa Brígida, na Bahia e Glória em Sergipe (Figura 1). Abriga reservas indígenas e importantes unidades de conservação de grande relevância natural.

Nas cercanias da histórica Canudos antiga, a alcunha da região – Belo Monte, foi batizada por Antônio Conselheiro em função da beleza cênica das montanhas das redondezas e do deslumbrante horizonte.

Figura 1 – Relação dos municípios que contém áreas no Raso da Catarina. Fonte: Paes e Dias, 2008

Por ser de difícil acesso, nos tempos do cangaço o Raso da Catarina servia tanto como esconderijo, quanto passagem e atalhos de rotas de fuga para outros setores do sertão. Na Guerra de Canudos era um local de trincheiras para ações de guerrilhas.

Atualmente, as principais rotas de penetração ao interior da região ocorrem a partir de Paulo Afonso, Canudos e Jeremoabo (Figura 2).

Acesso – Rota Paulo Afonso: De Salvador até Paulo Afonso, via Br-324 e BR-110 são 495 km. Partindo de Paulo Afonso para o Raso, em uma distância aproximada de 50 km, os deslocamentos precisam ser feitos em carros com tração 4×4.

Situado ao lado de terras que compõem a reserva indígena dos Pankararés, o árduo acesso ao vale do Cânion Seco, nas aldeias do Baixo do Chico, necessita de autorização para visitação.

As famílias desses índios Pankararés são descendentes de antigos povos tradicionais que residiam na atual área protegida.

Acesso – Rota Canudos: De Salvador até Canudos a distância é de 408 km, pelas BRs 324 e 116. Do centro de Canudos, roda-se uns 20 km até a Estação Biológica de Canudos.

Figura 2 – Imagem de satélite do Google Earth da região do Raso da Catarina (centro). As linhas amarelas representam as estradas que circundam o Raso e interligam as sete cidades.

Aspectos fisiográficos do Raso da Catarina

Clima

Localizado no bioma genuinamente brasileiro da Caatinga, apresenta clima predominante do tipo tropical semi-árido e desértico, com altos índices de aridez.

Indiscutivelmente é o local mais seco e quente da Bahia, e está entre os mais tórridos do Nordeste brasileiro, quiçá da América do Sul, com temperaturas de até 43º. As amplitudes térmicas são acentuadas nesta região.

Apresenta pluviosidade média anual entre as mais baixas do Brasil, que oscila entre 300 a 400 mm, com má distribuição das chuvas – que são irregulares, concentradas e torrenciais.

Na área onde localizava-se a antiga Canudos geralmente a seca perdura por dez meses do ano e no Raso da Catarina, principalmente na Baixa do Chico, prolonga-se por impressionantes 11 meses anuais.

Vegetação

 O enigmático e árido Raso da Catarina
A força da caatinga. (Imagem: Rui Rezende)

A vegetação é densa em alguns trechos. É conhecida como caatinga de areia, distinguindo-se da tradicional caatinga que ocorre sobre solos cristalinos.

Os ecossistemas são compostos basicamente por dois estratos da Caatinga – a fisionomia arbórea e a arbustiva, com combinações entre as duas (arbustivo-arbórea). Em alguns segmentos, existe vegetação em zona de transição entre caatinga e cerrado.

É rara a ocorrência de matas isoladas. Na região da Estação Ecológica Raso da Catarina, predomina a floresta de caatinga baixa, característica de solos arensos.

A cor predominante dos troncos e galhos retorcidos é o cinza. O terreno é muito arenoso e seco, aparentando um deserto, onde em geral só brotam cactos, bromélias e umbuzeiros.

Dentro desta ecorregião do Raso encontram-se algumas unidades de preservação: O Parque Estadual de Canudos, a Estação Biológica de Canudos, distante 20 km de Canudos, e a Estação Ecológica Raso da Catarina, que dista 60 km de Paulo Afonso e não está autorizada a visitação.

Estas duas estações, são importantes unidades de conservação para a preservação da plural diversidade biológica do bioma Caatinga. Abrigam uma das espécies raras de pássaros, extremamente ameaçados de extinção – a arara-azul-de-lear.

Enigmático Raso da Catarina
Voos da arara-azul-de-lear com paredões de arenitos ao fundo. Uma das espécies mundialmente mais ameaçadas de extinção. Toca do Velha, Canudos – Ba (Reprodução: G1, Foto: Marcelo Brandt/G1)

Recursos hídricos

O Raso da Catarina contém um marcante déficit hídrico. Insuficiência que torna clarividente os conceituais indícios de desertificação. Em função do escaldante calor, o grau de evapotranspiração denota índices elevados.

Os rios são efêmeros no enigmático sertão do Raso da Catarina. As chuvas torrenciais, que em geral ocorrem em alguns dias após o solstício de inverno, rapidamente desaparecem quando em contato com o solo.

O único rio intermitente da localidade é o Vaza-Barris, que alimenta o açude de Cocorobó e serpenteia o entorno sudoeste do Raso.

A permeabilidade desses solos locais de grande fundura é acentuada. Eles rapidamente drenam a água das chuvas, que é absorvida para o carente subsolo.

Raso da Catarina – Características geológicas

A história geológica do enigmático Raso da Catarina inicia-se no momento em que ocorre a ruptura do antigo supercontinente Gondwana, que originou a separação da América do Sul e da África. Este evento remonta ao Cretáceo (145 a 66 milhões de ano – ma).

Fenômenos tectônicos e termais geraram grandes fendas (rifts) na crosta, abrindo o Oceano Atlântico Sul. Como consequência dessas grandes fraturas principais, fendas obliquas à linha da costa (120º) e falhas foram geradas, consubstanciando o surgimento das bacias do Recôncavo, Jatobá e Tucano.

O Raso da Catarina encontra-se na bacia do Tucano. Com a evolução dos processos de abertura dos rifts formaram-se depressões no terreno em forma de um vale alongado com fundo plano – uma fossa tectônica (graben), que caracterizam a bacia.

Ao longo do tempo, estes depósitos de sedimentos de origem continental se acumularam nesta fossa, sofreram compactação e geraram rochas. As formações rochosas edificadas nessa bacia são constituídas por rochas sedimentares do período Cretáceo superior (100,5 a 66 ma).

Caracterizam-se pela alternância de arenitos e folhetos (rochas oriundas da compactação de lamas e argila) intercamados em uma estrutura de blocos falhados.

A erosão eólica, gradativamente, no decorrer do tempo geológico, esculpiu os paredões rochosos, e formou pitorescos cânions. As formas erosivas, com presença de ravinas, conferem belos efeitos paisagísticos ao local. No setor da Baixo do Chico os cânions se estendem por até 12 km.

Enigmático Raso da Catarina
Cânion Seco – Baixa do Chico, Rodelas – Ba (fundaj.gov.br)
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Referências

CAMPOS, Rui Ribeiro. A geografia da semi-aridez nordestina e a MPB. Sociedade & Natureza, Uberlândia, 18 (35): 169-209, 2006

CARVALHO, Murilo; SILVA, Silvestre P. Raso da Catarina. São Paulo: Refinações de Milho, Brasil Ltda., 1988

IBAMA. Estação Ecológica Raso da Catarina. http: //www.ibama.gov.br/siucweb/mostraUC. 2005 (Acesso em: 07/10/2020).

MELO, José I. M.; ANDRADE, Wbaneide Martins: Boraginaceae s .l. A. Juss. em uma área de Caatinga da ESEC Raso da Catarina, BA, Brasil. Acta Botanica Brasilica. Vol. 21. 2006.

PAES M. L. N.; DIAS, I. F. O. Plano de manejo: Estação Ecológica Raso da Catarina – Brasília: Ibama, 2008.

REZENDE, Rui. Vaqueiros do Raso da Catarina. Jeremoabo, 2018.

Capa: Foto aérea dos paredões de arenito da Fazenda Serra Branca em Jeremoabo-Ba, berço de reprodução das araras- azuis-de-lear (autor: Rui Rezende / @ruirezendedefotos)

Ricardo Borges

Economista, geólogo e músico autodidata. Trabalha com publicidade e consultoria em marketing digital. Criador de conteúdo e pesquisador nas áreas de geociências e astronomia.

4 thoughts to “O enigmático e árido Raso da Catarina!”

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