O GeobservatóriO consultou o sismólogo e coordenador da Rede Sismográfica Brasileira, Dr. Marcelo Assumpção do IAG-USP, em relação ao estado da arte das recentes pesquisas sobre os terremotos na Bahia.
O atual texto discorre acerca da indefinição do epicentro, da real profundidade sísmica, da natureza da fratura que desencadeou o evento, da relação entre magnitude sísmica e comprimento da fratura e do histórico de sismos na Bahia.
Profundidade sísmica
De acordo com o pesquisador do IAG-USP é difícil a real determinação da profundidade de um sismo baseado em medições de estações distantes. Em função de não haver maiores informações e dados precisos, a rede sismográfica mundial, através da United States Geological Survey (USGS) adotou a profundidade padrão de 10 km.
Conforme estudos e trabalhos preliminares em conjunto dos centros nacionais de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UNB) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), os focos sísmicos baianos são bem rasos. Aparentam estar entre 1 e 3 km.
O Brasil está localizado no meio de uma placa tectônica em uma região estável onde não ocorrem os grandes eventos interplaca geradores de grandes terremotos. Os tipos de sismos observados no território brasileiro são oriundos de eventos intraplaca ou falhamentos superficiais.
Normalmente se sucedem entre 5 e 20 km de profundidade, em região onde estão localizadas rochas mais rígidas e de maior capacidade de armazenamento de energia deformacional.
Na área continental brasileira, os terremotos de eventos intraplaca continental apresentam profundidade media de 5 km. Diferentemente do verificado nos principais sismos nos EUA, que apresentam profundidades superiores – em média 10 km (ASSUMPÇÃO et al, 2016).
Os terremotos derivados de falhamentos superficiais tendem a apresentar hipocentros mais rasos no Brasil, em comparação a outras regiões do globo. A energia liberada nos sismos brasileiros geralmente ocorre com um menor stress drop (queda de tensão). Estas características geram importantes implicações para as estimativas do risco sísmico.
Os abalos sísmicos acontecem no momento em que é excedido o limite de atrito gerado pelas tensões, com consequente liberação de energia que se reflete através de energia vibracional e sonora.
O stress drop, que aumenta com a profundidade, refere-se à diferença entre a tensão de cisalhamento (corte ou deformação em uma superfície) que atuava anteriormente na falha, e a que age após o sismo.
Tremores na dorsal Mesoatlântica
Recentemente ocorreram tremores no meio do oceano Atlântico, na cordilheira submarina conhecida como dorsal Mesoatlântica, que representa o limite divergente entre as placas tectônicas Sulamericana e Africana.
Dezenas de estações que compõem a Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) detectaram os sismos, que atingiram até 6.6 na escala Richter. Entretanto, de acordo com Dr. Marcelo, “não há relação entre tremores na dorsal e os enxames ocorridos na região da Bacia do Recôncavo”.
Epicentro ainda indefinido
No artigo anterior – Terremotos na Bahia e antigas falhas geológicas, ressaltamos a necessidade de novas sondagens geofísicas investigativas, em função da magnitude detectada nos terremotos baianos. Os monitoramentos já estão sendo realizados.
Sismólogos e pesquisadores do UFRN estão instalando cerca de nove estações sismográficas nos municípios de Amargosa, Brejões, Elísio Medrado, Laje, Mutuípe, São Miguel das Matas e Ubaíra para determinação dos epicentros e da intensidade de algumas réplicas.
Em decorrência também das localizações das estações utilizadas para as primeiras medições – que se encontram a distâncias de 200 km ou superiores, as orientações publicadas pela USP, UnB e UFRN contêm margem de erro de + ou – 10 km. Portanto, não foi ainda possível a correta definição do epicentro.
O epicentro provavelmente deve estar entre as cidades baianas de Amargosa, São Miguel das Matas e Santo Antonio de Jesus. Os estudos locais da UFRN poderão em breve determinar com maior precisão o epicentro e a profundidade do foco sísmico (hipocentro).
Abalos sísmicos e antigas falhas geológicas
O pesquisador supracitado esclarece que todos os tremores ocorreram numa mesma fratura da crosta, cujo tamanho é da ordem de cerca de 1 km.
A análise dos registros de detecção de vários sismos locais, permitiram aos pesquisadores inferirem que os sismogramas apresentam padrões muito parecidos, fato que denota que todos tiveram praticamente o mesmo epicentro.
Relação entre magnitude e espessura da fratura
A partir de análises comparativas de outras sequências sísmicas no Brasil, após localização precisa de suas réplicas imediatas, Ciardelli e Assumpção (2019) postularam que existe uma relação direta entre a magnitude sísmica e o comprimento da fratura. É possível a mensuração da espessura da ruptura a partir da magnitude dos sismos.
Portanto, para um terremoto de magnitude média de 4.0 Mw (magnitude de momento), como o da região de Amargosa, é possível estimar-se o comprimento da fratura. Infere-se então que a ruptura seja da ordem de 1 km, e todas as réplicas devem estar a menos de 1 km uma da outra.
Ainda consoante Ciardelli e Assumpção (2019), as réplicas sísmicas imediatas tendem a ocorrer em um círculo em torno de uma zona central, que presume-se que esteja livre de estresse. Este centro é interpretado como a ruptura do abalo principal.
Apesar dos tremores serem oriundos de deslocamentos em falhas ou fraturas geológicas, o pesquisador da USP acrescenta que “dificilmente é possível associar os tremores de terra no Brasil com as falhas geológicas já mapeadas na superfície. Na grande maioria das vezes, essa pequena falha está escondida e não corresponde a nenhuma falha anteriormente mapeada”.
Não é possível a previsão da ocorrência dos tremores. Na grande maioria dos casos ocorre um forte abalo, seguido de vários outros menores por vários dias. Contudo, as vezes a série sísmica continua por mais tempo, com probabilidade de outros de maior magnitude acontecerem.
Histórico de sismos na Bahia
Em Salvador, a primeira notícia de que a terra tremeu remonta a 1720. No Recôncavo baiano, na região do município de Amargosa, noticiou-se a existência de sismos a partir de 1899.
Os sismos de baixa magnitude e imperceptíveis no estado da Bahia já são detectados e registrados há mais de um século. Os mais pretéritos ocorreram no século XVIII.
Referências
ASSUMPÇÃO, M., DIAS, F.L., ZEVALLOS, I., NALIBOFF, J.B. Intraplate stress field in South America from earthquake focal mechanisms. J. S. Am. Earth Sci. 71, 278–295. 2016 https://doi.org/10.1016/j.jsames.2016.07.005
CIARDELLI, Caio & ASSUMPÇÃO, Marcelo. Lengths of intraplate earthquakes in Brazil determined by relative location of aftershocks: Evidence for depth dependence of stress drops. Journal of South American Earth Sciences. Volume 89, págs. 246-258. 2019
IAG-USP. Sismologia. iag.usp.br/~eder/curso_lab_ce%20_1.pdf. acessado em: 08/09/2020.
- Gostou deste artigo? então ajude-nos com qualquer valor para a manutenção e continuação do site, através do PIX:
71996176741
One thought to “Estado da arte dos terremotos na Bahia”